Receita de pudim, que é prato inglês

 




Os pudins são uma iguaria inglesa cuja palavra deriva de pudding. Em Portugal a primeira referência que documentamos está anotada no receituário manuscrito de Francisco Borges Henriques, datado entre 1715-1729, intitulada receita de podim que he prato inglês. Um doce feito com pão ralado, leite, ovos, uvas passas e açúcar, tudo muito bem batido, metida a massa num guardanapo, devidamente atado pelas pontas, e levado a cozer numa panela com água. Este doce era depois servido com manteiga derretida e açúcar.

Se olharmos os livros de cozinha ingleses é com estes ingredientes que se faz este doce desde tempos recuados. Na obra the good hous-wives treasurie, editada em 1588, localizamos a receita denominada lenton pudding cujos ingredientes são pão, açúcar, noz-moscada, canela, sal, claras de ovos, tudo misturado com um pouco de natas. Uma prática alimentar que ainda hoje encontramos na cozinha tradicional inglesa, tal como se observa na imagem acima.

 Em 1780, Lucas Rigaud, um cozinheiro ao serviço da casa real portuguesa, publica um livro de cozinha onde os pudins, pela primeira vez, marcam presença. Num capítulo denominado dos pudins à ingleza e outros entre-meios dedica a este doce cinco receitas. Aqui são apresentados três modos de prepara o doce: pudim à ingleza, pudim de pão e pudim de arroz.  

É também neste ano que o Mosteiro de Tibães faz a aquisição de dois pudins para a festa de São Bento. Fica-nos a dúvida de quem os fez e qual a receita seguida. Mas fica-nos a certeza de que este doce já estava nas mesas minhotas na mesma altura que se consumia, também, na casa real.

Mas não era ainda um doce comum em Portugal, pois a obra Arte nova e curiosa para confeiteiros e copeiros, editada em 1788, não inclui nenhuma receita desta iguaria. O mesmo é confirmado pela dicionarização da palavra. O dicionário de Morais e Silva, editado em 1789, ainda não a refere. Só em 1832, no dicionário de Luiz Maria da Silva Pinto, surge a definição de um guizado muito comumm entre os ingleses. O mais simples é de miolo de pão, leite, ovos, açúcar e amendoas.

 Por esta altura já o pudim se tinha popularizado entre as elites. No convento dos Remédios, por exemplo, compraram-se, em 1802, seis bacias para os pudins, e, em Tibães, mandaram-se compor as latas do pudim, no ano de 1823, o que já alude à presença mais habitual deste doce, agora cozido na forma tradicional que hoje conhecemos e não envolvido num guardanapo. Também as freiras dos Remédios o referem com mais frequência na transição para o século XIX. Fazem mesmo referência à aquisição de rosca, leite, açúcar e ovos para a elaboração do doce.

O pudim tinha entrado definitivamente nos hábitos alimentares dos mosteiros e vai fazer história nas casas portuguesas. Ao longo do século XIX as receitas de pudim multiplicam-se e diversificam-se. Nos receituários dos inícios do século XX podemos já observar inúmeras receitas de pudim, doces e salgadas. 


Na região do Minho vai também ficar famosa uma receita celebrizada pelo então padre cozinheiro, Manuel Joaquim Rebelo, Abade de Priscos, concelho de Braga. A receita deste pudim, que já não leva pão, mas apenas a leveza e suavidade dos ovos e do açúcar, aromatizada com canela e limão, tem a adição de uma gordura de porco, neste caso do presunto ou toucinho, um ingrediente que o liga a uma tradição secular portuguesa. De facto, esta gordura foi, ao longo de séculos, considerada muito superior ao azeite, constituindo, no dizer de Francisco da Fonseca Henriques, um médico português que viveu na transição do seculo XVII para o XVIII, a alma dos manjares de carne sem a qual nenhum se faz agradável nem delicioso. Um ingrediente que o Abade de Priscos, cozinheiro minhoto de renome nacional, conhecia bem. Uma herança culinária que recebeu dos seus ancestrais e que fundiu na perfeição numa outra receita importada, transformando-a numa especialidade verdadeiramente portuguesa – Pudim Abade de Priscos.

            Todavia, em homenagem à primeira receita portuguesa de pudim, até agora conhecida, deixo aquela que foi registada por Francisco Borges Henriques, por volta de 1715 (Freire, Dulce, 2020, pg. 211)

Receita do podim que he prato ingles

Tomarão hum pão e lhe tirarão as codias e o rallarão por hum rallo, e rallado que seja o porão em hum alguidar e terão o leite com agoa o que baste a ferver, e tanto que tiver levantada fervura e avendo-lhe tãobem deitado algum asucar e se lançara sobre o pão rallado, e o baterão com hũa colher muito bem batido e despois de batido o abafarão, e despoes de estar assim tempo bastante se ajunta, e se meta dentro de hum guerdanapo atando-ce que não fique muito apertado e emtão se meta dentro de hũa panella com agoa a ferver ora e meia, e sendo mais de um pão mais tempo tire-ce e se ponha em hum prato deitando-ce-lhe por sima manteiga derretida com huns pos de asucar e se come as talhadas, e quem quizer lhe bote suas gemas de ovos no alguidar outras vezes em lugar de pão. Se fas como beiginho de farinha mesturando farinha e outras se misturão passas boas havendo-as primeiro lavado, e emchuto em hum pano, e as passas de Corintho são gallantes.

 

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