Bolinhos de jerimú


As iguarias de Natal do Entre Douro e Minho

O Natal tem as suas próprias iguarias que foram mudando ao longo dos séculos. Iguarias que, no passado não muito distante, se diferenciavam pela classe social. Nas mesas ricas estavam doces onde primavam os ovos, o açúcar, a amêndoa e o leite, enquanto os mais pobres deitavam mãos a recursos mais baratos e mais quotidianos como o pão, o mel, o vinho, a abóbora, algum fruto seco, que houvesse por casa, e pouco mais. Os ovos existiam mas não eram assim tão abundantes, porque se vendiam na feira para fazer uns trocos, necessários para os gastos quotidianos; o leite era mais abundante em terras do Minho mas, mesmo assim, vendia-se sempre que se podia; o açúcar era muito caro, consumindo-se doseado em dias especiais e quando a doença batia à porta.

No Minho esta escassez é ainda hoje muito visível num receituário onde a criatividade saltou para a mesa em forma de verdadeiras iguarias. As rabanadas de vinho tinto, em substituição de leite; a aletria feita com água, mas suficientemente bem aromatizada, e recheada, até, com alguns frutos secos; os bolinhos de jerimú, que são, entre todos, o doce natalício que mais adoro.

                                        Comércio do Minho, 21 dezembro 1886

O  Jerimú

Olhemos, então, este doce simples, mas com requintes de mesa rica.

Primeiro centremo-nos no nome jerimú ou jerimum. O que será? Uma abóbora, pois claro. Mas porque se lhe dá este nome aqui no Minho? Ora, esclareça-se que jerimú é uma palavra pertencente à língua tupi existente em território brasileiro. Ou seja, é um termo que veio directamente do linguajar dos índios. Como chegou cá? Provavelmente trazido pelos migrantes minhotos que, desde o século XVI, andavam cá e lá. Trouxeram a abóbora, que não existia na Europa, mas também os vários nomes com que era denominada naquele país, onde existiam tantas línguas nativas. Noutras regiões do país este fruto adquire outras denominações como boganga, moganga ou menina. O termo menina foi o que mais se generalizou, sendo já utilizado no século XVIII, mas os minhotos preferiram chamar-lhe pomposamente jerimú.

A abóbora jerimú, mais amarela e doce, e a outra, mais clara, aqui denominada cabaça, foram-se generalizando em consociação com o milho grosso e o feijão, também chegados pela mesma altura. Tornaram-se abundantes e disponíveis para a alimentação de homens e animais, ao longo de todo o Inverno.

Pela altura do Natal começaram a servir para fazer filhós. A polpa amarela disfarçava a falta dos ovos, que nem sempre abundavam, e supria também a ausência da farinha de trigo, sempre escassa nas casas mais pobres. Juntavam-se ainda alguns aromatizantes como a aguardente e a raspa de laranja ou limão. Junto a uma casa minhota sempre houve uma laranjeira ou um limoeiro. No final, podiam envolver-se em mel ou numa calda de açúcar e canela. O resultado? Um doce delicioso!

Esta receita já se localiza em receituários do século XVIII e está popularizada no século XIX em vários livros de receitas, denominando-se filhozes de abóbora menina, beilhozes, bolos de abóbora menina, bolos de bolina, bolos de abóbora ...

Uma memória alimentar carregadinha de história! Um doce que não pode faltar na mesa de Natal!

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