Farinheiras ou alheiras?

 

 
Fonte: Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural


Adoro alheiras! Um enchido único e tão português. Dizem alguns que foi inventado pelos judeus para fingirem, perante a comunidade vizinha, que comiam carne de porco quando na verdade lhes metiam outras carnes. Não sei se é assim, ou não, mas, o que percebo deste enchido é que ele está estritamente ligado à matança do porco e na Beira Alta era com as carnes, e sobretudo a gordura deste animal, que era feito.

 

As Farinheiras da Beira

 

Nunca percebi porque é que na Beira se chamam farinheiras e em Trás-os-montes alheiras, quando, na realidade, as que eu conhecia e que a minha mãe fazia, eram feitas com pão, em tudo semelhante às alheiras. As farinheiras tinham que ser feitas com farinha, só que eu sempre as conheci feitas com pão.

Mas era de facto assim. Até meados do século XX as farinheiras da Beira eram feitas com farinha  em quase todas as casas onde se matava porco. Aproveitavam-se algumas gorduras do porco, juntava-se mais um ou outro osso do qual saiam algumas "febrinhas" e, depois de tudo bem cozido, quase desfeito, e temperado com pimentão, juntava-se farinha aos poucos para não criar grumos e mexia-se bem. Tudo isto feito com a água da cozedura bastante quente. Depois enchiam-se as tripas e secavam-se na lareira em lume brando durante uns dias. Para o correr do ano guardavam-se em potes de azeite tal como as chouriças.

Por razões que desconheço, algumas casas começaram a fazer estas ditas farinheiras com pão de trigo. Punham as mesmas carnes de porco, juntavam às vezes uma galinha ou um coelho, temperavam tudo com pimenta e pimentão, mas, no final, juntavam pão de trigo. O nome continuou a ser o mesmo de sempre - farinheira.

Descobri esta diferença há poucos anos e verifiquei que ainda se fazem as farinheiras tradicionais a par destas alheiras/farinheiras mais modernas e, claramente, influenciadas pela região transmontana.

Mas vamos à receita, da minha mãe, claro!

 

A receita

Cozem-se as carnes muito bem cozidas até se desfazerem nas mãos (carne de porco com gorduras, ossos com alguma carne, uma galinha ou frango caseiro). É importante que não sejam carnes ensanguentadas.

Entretanto picam-se uns alhos e um bom ramo de salsa.

Quando as carnes estiverem bem cozidas vertem-se, juntamente com a água, num alguidar. Retiram-se com cuidado os ossos e desfaz-se bem a carne com as mãos. Juntam-se então os alhos, a salsa, pimenta e pimentão a gosto. Também se pode juntar um pouco de cominhos, para quem gosta, claro! Por fim, junta-se o pão de trigo, já devidamente partido. Convém que este pão não seja do género papo-seco ou a rosca do Minho mas o chamado pão de segunda, tipo Alentejo ou o pão de quartos, que ainda hoje se vende na região da Beira.

Envolve-se tudo muito bem, com as carnes e a água ainda quentes.

Depois, com as tripas de boi já lavadas e atadas com fio norte, enchem-se as farinheiras/alheiras e vão a secar junto à lareira em lume brando.

Tudo tem que ser feito com a massa quente para que deslize melhor na enchedeira e na tripa.

Como vemos a diferença entre alheiras e farinheiras está apenas na adição de pão ou farinha.

Na Beira comiam-se farinheiras mas eu já sou do tempo da aculturação e da mudança de hábitos, mas o nome ficou.

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