À Portuguesa... com Virgílio Nogueiro Gomes

Lembro-me da primeira vez que conheci o Virgílio. Em 2014 foi-me recomendado por um colega transmontano, quando andava à procura de um especialista que viesse falar sobre doçaria conventual de Trás-os-Montes, num seminário sobre o mesmo tema que estava a organizar em Tibães.

Chegou, falou e encantou. Fresco, falador, bem-disposto e sempre curioso. Trocámos contactos. Passei a receber as suas crónicas. Ficou um telefone que se liga de vez em quando para ouvir uma opinião, saber de um restaurante, pedir um conselho, dizer um olá! Sempre me atendeu com um sorriso e uma palavra amiga.

Tenho hoje alguns dos seus livros na minha mesa de trabalho e folhei-os com regularidade. Claro que não podia deixar de ter este. O “À portuguesa: receitas em livros estrangeiros até 1900” já anda nas suas crónicas há alguns anos e tem-me aberto o apetite.

Este livro, sem grandes pretensiosismos académicos e sem o espartilho das citações e das notas de rodapé, apresenta o rigor necessário que se exige em textos deste género, citando as fontes, sempre que é necessário, no correr do texto.

Quando mergulhamos neste tão interessante conjunto de receitas que reflectem “aquilo que o olhar do outro projecta sobre nós”, como nos diz no prefácio a Doutora Inês Ornelas e Castro, não deixamos de nos interrogar sobre a nossa identidade alimentar. Afinal há pratos à portuguesa que nunca o foram e onde nós nada nos revemos. Ou será que foram?

 A Mesa Portuguesa na Europa

Depois das explicações iniciais, onde o autor nos abre a porta para uma mesa de requinte, iniciamos a leitura pausada e cronológica sobre os muitos cozinheiros europeus que, ao longo de 300 anos, foram registando receitas que entendiam ser da cozinha portuguesa. O autor, para além de nos apresentar o cozinheiro, procura explicar a razão da existência de tais receitas nos seus livros de cozinha. Os métodos? Os ingredientes? As ligações familiares ou diplomáticas são algumas das explicações. Mas há várias estranhezas…

Salta a atenção a presença da laranja, do tomate e dos óbvios vinhos do Porto e da Madeira. Nada de surpreendente. A laranja tem desde muito cedo uma identificação portuguesa. Foi primeiro Ibérica, trazida pelos Árabes, mas no século XVI fomos nós que oferecemos as laranjas doces ao mundo ocidental e as disseminámos por aí. De tal maneira o fizemos que, ainda hoje, há países onde o nome do fruto tem designações próximas da palavra Portugal (Portocalo, Burtugal, Portokali…). E fomos também nós que aprendemos a valorizar a flor da laranjeira, destilando-a e aromatizando com ela toda a doçaria portuguesa. Claro que os cozinheiros europeus também seguiram este gosto. Observavam as orangeries nos jardins dos seus Senhores e experimentavam, com curiosidade, as laranjas, cada vez mais doces, que iam chegando à cozinha, oriundas deste nosso cantinho.

Quanto ao tomate, pomme d’amour como lhe chamavam os franceses, chegou também primeiro à Península, vindo das Américas, e por cá foi ganhando gosto à mesa. Nos inícios do século XVIII já Francisco Borges Henriques fazia várias receitas com ele e ía dizendo que dava gosto à sopa de peixe, ao arroz e tantos outros cozinhados. Sobre o “molho de tomate” acaba mesmo por concluir que dava uma “boa mostarda”, isto é, tal como o clássico molho de mostarda, que estava sempre numa mesa portuguesa para acompanhar a carne ou o peixe, agora, o molho de tomate podia-o substituir com sucesso. Mudam-se os gostos…

Não encontramos receitas de bacalhau e de sardinha! Óbvio. Estamos na alta cozinha. Só o século XX irá trazer o bacalhau para a mesa das elites.  A sardinha… essa talvez no século XXI! Contudo, o autor fala-nos de uma surpreendente receita de bacalhau que localiza num dicionário francês, já no século XX.

Está lá, no entanto, o arroz-doce, na obra de Moutiño (1611), e de Francesco Gaudenzio (1705); o cozido à portuguesa ou sopa à portuguesa, que já cá anda desde o século XVII; os ovos-moles, nas suas diferentes variantes, e tantas outras iguarias que até o mais conhecedor destas artes, como é o Virgílio, desconhece.

É só ler o livro e percorrer esse olhar que nos foi envolvendo ao longo dos séculos. As explicações vão surgindo e vão-nos agarrando à leitura.

Gostei do Livro! Mais um para guardar com carinho! Parabéns Virgílio! Uma boa sugestão de Natal!


 

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