As bolotas





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Durante séculos, para não dizer milénios, a floresta portuguesa era grosso modo constituída pela trilogia de sobreiros, carvalhos e castanheiros. Pelo meio iam emergindo, conforme a região e o microclima existente, salgueiros, medronheiros, teixos, pinheiros bravos, vidoeiros, azevinhos, choupos, etc, etc. Uma floresta que alimentou e aqueceu gerações e gerações de homens e mulheres; que constituiu a base de uma forte indústria naval e que sustentou a indústria da construção civil, onde a madeira era a matéria-prima fundamental, através da técnica do tabique.
Era uma floresta que dava lucro e que servia os interesses económicos das populações. A sua folhagem fertilizava o solo que constituía abrigo de inúmeras espécies faunísticas e florísticas.  Os seus frutos (bolotas e castanhas) alimentavam homens e animais. Mas também se retirava daí o mel, a cortiça e o estrume para fertilizar os campos. Anualmente as comunidades monásticas, os grandes e pequenos proprietários faziam campanhas de plantação daquelas espécies para garantir a floresta das gerações futuras. Relembremos apenas aquele provérbio: vinha que eu ponha, oliveira de meu pai, souto de meu avô.
Mas os tempos mudaram. O século XIX trouxe a indústria química e o pinheiro espalhou-se pela paisagem de uma forma mais intensa porque dava resina.  O século XX trouxe o eucalipto, aquela árvore vinda de tão longe, mas que cresce tão rápido, e que se tornou viral porque aliciou o proprietário a um lucro fácil. Rapidamente se percebeu que trazia inúmeros prejuízos: secava as águas, afastava a fauna da região, propagava o fogo  através dos seus óleos voláteis e até a esteva, a torga, o tojo e a giesta têm dificuldades em sobreviver à sua beira. Mas o homem, ávido de dinheiro para gastar, às vezes,  em coisas que não precisa,  planta eucaliptos nos sítios mais estranhos: numa vinha acabada de arrancar, numa mata acabada de arder, num campo de milho acabado de abandonar, a poucos metros da sua própria casa. Disfarçadamente tem também vindo a plantar eucaliptos no meio dos pinheiros. Ninguém se apercebe da façanha e como a árvore cresce rápido facilmente ultrapassa o pinheiro que, entretanto, se corta para dar lugar a mais eucaliptos.
Os governos sucessivos dos últimos 30 anos foram hesitando entre proibições e permissões. Agora é proibido plantar, mas quatro anos depois já era permitido. Os interesses foram-se implantando e as leis alteraram-se ao sabor de quem tem de facto o poder. Os proprietários foram percebendo a manha do legislador e aproveitaram para plantar cada vez mais eucaliptos. De uma foram completamente desordenada!
E no meio de tudo isto as instituições não funcionam. As brigadas ambientais da GNR passam pelos sítios mas não vêm nada, ou não querem ver; o instituto da conservação da natureza e das florestas também passa ao lado. Tem muito que fazer nos seus gabinetes instalados nos centros urbanos, longe da realidade. Ninguém vigia a floresta! Não há guardas florestais há mais de 40 anos.
E nós, o que fazemos quando vemos o nosso vizinho, sorrateiramente, a plantar eucaliptos no meio dos pinheiros ou ao lado do nosso quintal? Sabemos que ele está errado, mas encolhemos os ombros. A nossa região, depois dos incêndios dos últimos anos, tem vindo a ser replantada de eucaliptos de uma forma completamente anárquica. Daqui a 10 anos o concelho de Mangualde vai estar como a região de Pedrogão Grande ou a região de Aveiro. A monocultura do eucalipto está a instalar-se silenciosamente! Sem regras, sem planificação! E vamos ficar todos em perigo. Mas somos todos culpados. Porque não denunciamos; porque plantamos ou deixamos plantar; porque não exigimos da parte de quem manda uma política diferente. É preciso morrermos queimados vítimas do próprio veneno!  
Devemos pensar nisto com mais acuidade e, porque não, olhar para as bolotas com um outro olhar!

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