Porque comemos bacalhau no Natal?
Chega o Natal e o bacalhau,
mais uma vez, vai ser o rei da mesa natalícia. Mas também se come polvo e, em
algumas comunidades piscatórias, cascarra (Vila do Conde) e litão (Olhão).
Todos eram e são peixes secos que se comiam e comem tradicionalmente durante os
tempos de Inverno quando os barcos não podem ir ao mar.
Tempo de Jejum
Mas de todos estes peixes o
bacalhau ganhou terreno. Pescado bem longe da costa portuguesa tornou-se
paulatinamente o alimento quotidiano dos portugueses e também o da mesa de
Natal. Mas porquê a tradição de se
comer peixe nas vésperas do Natal? A prática religiosa católica assim o
impunha. Todo o Advento era e é um tempo de abstinência e jejum, por isso a
igreja recomenda o consumo de peixe por se considerar, desde tempos mais
antigos, que o peixe era pouco nutritivo e pouco saudável e, por isso, mais
propício para tempos mais contidos em termos alimentares. Ora, a véspera de
Natal, é o último dia do Advento, logo tempo de comer peixe.
Havendo esta obrigatoriedade
de se comer peixe e porque era mais difícil haver sardinha, as gentes do povo
recorriam ao peixe seco: bacalhau, polvo, cascarra, litão… Peixes mais baratos
e mais populares que não entravam às mesas nobres. Estes comiam pescada, que
também se comercializava seca mas era de todos o peixe mais caro, congro ou
lagosta, pescados pelos poucos pescadores que se aventuravam ao mar!
Do bacalhau dizia-se no séc.
XVIII que era “alimento dos pobres e dos rústicos e próprio para pessoas que
trabalham e se exercitam muito. Não se deve dar a pessoas delicadas, nem nas
que passam vida sedentária” (Francisco da Fonseca Henriques, 1721). Era pois um alimento que não entrava na mesa dos
mais ricos que tinham uma vida mais ociosa.
A acompanhar o peixe a gente
pobre recorria às couves da horta, a única hortaliça que sobrevive às longas
noites, frias e nevadas do Inverno. Em algumas regiões dá-se primazia à couve-galega,
mais rústica, de sabor mais forte, mas na Beira Alta prefere-se a “penca” ou
“espanhola”, ou “portuguesa” ou “murciana”, conforme lhe queiramos chamar. É uma
couve mais suave e, depois de bem queimada pela geada, muito mais tenra.
Tudo isto acompanhava, até
ao séc. XIX, com pão e nabos, outro dos legumes que abunda no tempo frio, ou
rabas, ainda hoje apreciadas pelo transmontanos. Couves, nabos e cebolas eram
os legumes mais produzidos pelos mais pobres e que alguns senhores, em terras
coutadas, obrigavam os camponeses a produzir. Em meados do séc. XIX a batata
começa a entrar na ceia de Natal. Oriunda da América do Sul, já era conhecida
desde o século XVI mas não foi logo apreciada pelos portugueses, que a chamavam
castanha da Índia e a consideravam pouco nutritiva. Lentamente foi entrando na
mesa e acabou por tornar-se um dos acompanhamentos principais.
As pressões políticas do Estado Novo
Chegamos ao século XX
com uma ceia de Natal constituída por batatas, couves e bacalhau. Os mais ricos
continuaram a resistir mas, ao longo do séc. XX, foram interiorizando este
peixe de rústicos e aprenderam a cozinhá-lo com requinte. Pressões políticas do Estado Novo, que investe sobremaneira na pesca do bacalhau e determina uma quase obrigatoriedade do seu consumo, proibindo, por exemplo, a importação de polvo da Galiza, alargam socialmente o seu consumo.
E foi assim que a simplicidade
dos mais pobres vingou e tornou-se tradição e, mais do que isso, símbolo da
mesa natalícia - um bom bacalhau regado com o bom azeite português.
Hoje a ceia de Natal é
constituída por uma lauta refeição em contraste com a abstinência e jejum que o
Advento impõe. Mas disso havemos de falar noutra altura!
Muito interessante o artigo. Minha avó, portuguesa de Pinheiro de Baixo, freguesia de Mangualde, sua terra, nos colocou essa tradição. Aqui no Brasil, enquanto todos comiam Peru e outras carnes, na minha casa sempre foi ele e somente ele, o bacalhau.
ResponderEliminar