A menina dança?
As festas populares têm uma história longa.
À volta da festa religiosa que a igreja impunha, com
missa e procissão devocional, as populações foram, ao longo dos séculos, organizando
pequenos ajuntamentos com música, dança e lançamento de foguetes. Aliás a dança
e a música são também, desde tempos antigos, formas de louvar a Deus, tal como
se exprime no salmo 150 – Louvai Deus ao som da trombeta, louvai-o com saltério
e com a harpa, louvai-o com adufes e danças, com instrumentos de cordas e com
flautas.
Mas se a festa religiosa poucas mudanças sofreu, a
festa profana foi-se adaptando às modas musicais. No séc. XVIII e XIX os
bombos, as violas, os adufes e as gaitas de foles constituíam o acompanhamento
musical para os bailaricos. O século XX traz as concertinas e as bandas
musicais que acomodadas nos coretos animavam toda a comunidade.
Na segunda metade do século XX arredou-se a banda
musical para o acompanhamento litúrgico e processional emergindo os conjuntos
musicais na animação da festa profana. Esses conjuntos tinham como missão tocar
as músicas da moda que fossem dançantes para que novos e velhos, rapazes e
raparigas se divertissem uns com os outros de modo a que a comunidade reatasse
algumas desavenças e se promovessem novas relações amorosas. Toda a gente
dançava e as mães vigilantes observavam os acompanhantes das suas filhas
casadoiras. Havia mesmo um espaço próprio para dançar, o ” dancing” onde só os
homens pagavam bilhete. Era o tempo de: “a menina dança?”
Nestas festas, durante a tarde animava-se a população
com cantares ao desafio, com algum rancho etnográfico e com um leilão de
prendas que ajudava ao pagamento das despesas. Prendas que eram, na sua
maioria, belos e apetrechados tabuleiros de comida prontos a serem consumidos.
Comida de festa! A animação fazia-se também com doceiras que vendiam doces
populares e barracas de “comes e bebes”. A noite terminava com o lançamento de
foguetes tão mais rico quanto mais dinheiro houvesse.
O século XXI alterou o ritmo da festa. Surge a música
pimpa e a proibição dos foguetes. Também já não se fazem leilões mas rifas de
prendinhas que não servem para nada. As doceiras desapareceram e com elas
levaram doces como os “beijinhos” e os “corações”. Sobraram as barracas de
“comes e bebes” com muita cerveja à mistura.
A noite é agora animada por um outro tipo de
conjuntos musicais. Rapazes e raparigas apresentam-se em palco, eles
devidamente vestidos, elas quase despidas, a cantar e a dançar músicas que têm
todas o mesmo tom e o mesmo ritmo. A chamada música pimba. O barulho é
ensurdecedor. Ninguém consegue falar com ninguém e já quase ninguém dança. As
pessoas acomodam-se junto aos muros a observar o espectáculo dançante, agora só
no palco.
É caso para dizer que a tristeza invadiu a festa
popular. Os actores passaram a ser espectadores. E já não se diz com o mesmo
entusiasmo como se dizia no passado: vamos à festa! e muito menos “a menina
dança?”.
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