Torre de Gandufe, Mangualde





            Dar voz às pedras, que silenciosamente vão guardando segredos de milénios, é tarefa de arqueólogos e historiadores. Há por todo o nosso concelho algumas pedras que lançam pequenos murmúrios de desespero, enquanto outras permanecem escondidas no entulho que o tempo arrastou ou, simplesmente, quietas e mudas em qualquer campo ou pinhal, resguardadas pela vegetação ou pelo próprio homem, que, alheio à sua linguagem, por elas passa indiferente.
            As pedras ali permanecem, ali ficam à espera do homem. À espera que alguém lhes devolva a vida, lhes dê fala e delas faça História.
            Assim fez a Câmara Municipal de Mangualde com a Torre de Gandufe. Um  conjunto de pedras, perdidas há séculos num campo agrícola de Gandufe, constituído por uma parede e um terço de outra. Comentava-se desde o tempo da monografia de Mangualde, editada nos anos 40 por Valentim da Silva, que aquelas pedras eram parte de uma casa-torre, construída algures na Idade Média. Sabia-se também que Gandufe é o antroponímico de Gondulfus ou Gondufão. Um senhor de origem goda que dominou as terras de Senhorim. No século XVIII, Gandufe pertencia ainda ao concelho de Senhorim e assim vai permanecer até à sua extinção, no século XIX, para se integrar no de Mangualde. A casa, ou o que restava dela, lá continuava mas o pároco não deu conta disso nas memórias paroquiais de 1758. Naquela altura eram pedras sem voz, sem história.  E nada se fez ao longo de tantos anos!!

        A Casa-Torre
Sabemos hoje, época em que há grupos de historiadores especialmente dedicados à história da construção, que a norte de Portugal, depois da reconquista cristã, a casa-torre, semelhante às torres de menagem dos castelos, dominou a paisagem e prolongou-se até ao séc. XVI. Este tipo de construções surgia habitualmente em vales férteis, ligadas a estratégias de afirmação de poder por parte de quem as construía. Eram moradias altaneiras, pertencentes a famílias de posses, sobretudo da pequena ou média nobreza local que, para afirmarem o seu poder, construíam casas em forma de torre quadrangular, de três ou quatro pisos, com coroamento de ameias e com pedra aparelhada. Nos séculos seguintes este tipo de casa deixou de fazer sentido e os seus proprietários destruíram-nas utilizando as pedras para novas construções mais apalaçadas. Outras, permaneceram perdidas na paisagem. Abandonadas, sem utilização, foram sendo saqueadas pelos camponeses mais próximos para darem lugar a construções mais simples. 

Casa de Gondulfus?
Gandufe tinha também a sua torre. Casa de Gondulfus? Seria certamente a casa de um senhor que dominava toda uma região. À sua volta proliferavam casa terreiras,  destelhadas e colmadas, onde os camponeses se acolhiam. Construir uma casa em pedra era apanágio apenas dos mais poderosos e ricos.
Hoje ao visitarmos a torre de Gandufe, sentimos que aquelas pedras nos contam uma história. Encontramos um tipo de casa bem identificado, uma forma de construir que exalta da robustez das paredes, um possível proprietário, enfim, a identificação de um espaço num determinado tempo.
Aquelas pedras voltaram a ter voz, 700 anos depois!!
Mas… nem tudo está perfeito. Falta a divulgação. Para que as pedras falem é preciso interlocutores que as percebam, que as ouçam, que as visitem. Falta apenas uma placa informativa na estrada nacional. Pois por agora só alguns mangualdenses mais curiosos aí acorrem e um ou outro passante mais atento ao património.
Feita a divulgação, que outras pedras se venham juntar a estas na construção da história dos homens e das mulheres de Azurara da Beira.

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