Laranjas de Portugal
Em terras da Beira,
pouco apropriadas para o cultivo de citrinos, há um ditado que diz que as
laranjas só são doces depois de confessadas, que é como quem diz, depois de
passar a Páscoa. Outro ditado junta-se a este dizendo que as laranjas são boas
nos meses que não têm R. Está pois a chegar o tempo das laranjas!
Ao falarmos deste
fruto, tão popular em todo o país, vem-nos à memória a sua denominação em
diferentes países do mundo e o que isso tem a ver com a nossa história.
Pois bem, vamos
conhecê-la.
Em Portugal este fruto
denomina-se laranja e em Espanha naranja. Em França e em Inglaterra
dá-se o nome de Orange, denominação
que se repete, com algumas variantes, em outros países. Na região nórdica, de
uma forma geral, chama-se appelsin que é o mesmo que pomme de chine ou maça da china. Na região
mediterrânica e eslava assume o nome do nosso país, Portugal, de que é exemplo a Grécia (portocálo) ou a Bulgária
(portocale) e, finalmente, no mundo árabe, muitos países denominam este
fruto por burtugali ou alburtugali, isto é, um fruto
originário de Portugal. Até no longínquo Irão vamos à mercearia comprar uma purtugali.
Será então a laranja
originária de Portugal? Temos informação da existência de laranjais no nosso
país desde a Idade Média. Mas as laranjas não eram então muito apetecíveis
porque eram azedas. Os laranjais serviam apenas para se lhes retirar a flor e
com ela fazer água de flor de laranjeira e florada. Aquela servia para
aromatizar todos os doces que então se confeccionavam, desde a marmelada aos
doces de ovos, a florada era uma compota também feita com a flor de laranjeira.
Tratava-se de um doce muito habitual na época moderna apresentado em todos os
receituários até ao século XVIII. A laranja era assim um fruto que não devia
ser muito valorizado enquanto alimento, por ser azedo ou pouco doce e, ao
contrário do limão, não ter grande aplicação para tempero da comida.
Mas são os portugueses
que nos seculos XVI e XVII trazem do Oriente, melhor dizendo, da China e da
Índia, variedades doces de laranjas e limões e, a partir daqui, as difundem por
todo o mundo. Logo, quando Vasco da Gama chegou à Índia, em 1498, Álvaro Velho,
que nos deixou uma importante descrição dessa viagem, anota que os nativos lhes
levarão muytas laranjas doces muyto melhores que as de Portugal” .
No século XVII
começamos a ouvir falar com frequência das laranjas da China, uma variedade
doce que adquiriu tanto sucesso em Portugal e na Europa que D. Pedro II decretou, em 1671, a proibição de exportação de laranjeiras
desta variedade.
No século XVIII, em 1721, Francisco da Fonseca Henriques, um médico português ao serviço de
D. João V, para além das laranjas azedas, constata a existência em Portugal da
laranja da China, da laranja doce e de uma outra nem doce nem azeda, a bical. A
laranja doce, provavelmente introduzida com as descobertas marítimas, seria
muito diferente, em termos de doçura, da variedade asiática, entretanto
introduzida, e por isso as distinguiu. Uns anos antes, em 1680, no primeiro
livro de cozinha editado em Portugal, o seu autor, Domingos Rodrigues, propõe já que se coloquem na mesa, na primeira
coberta de princípios, ou seja, entradas, num banquete servido a um embaixador,
pratos de laranjas da China guarnecidos com limões doces. Um mimo, um regalo,
uma novidade bem portuguesa acabada de chegar do Oriente, que ficava bem na
mesa para adoçar a boca.
E assim o fruto que nós
denominamos laranja se foi divulgando pelo mundo através do nosso país com o
nome ou de pomme de chine, applesin, maçã da china, portocale, burtugalli…. Nós que demos novos mundos ao mundo também demos novas
palavras, também nos demos a nós próprios. Portugal é uma palavra que soa a
estranho para denominar um fruto mas está carregadinha de história, quer dizer,
de sumo!
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