Pão-de-ló
Chega a Páscoa e o pão-de-ló
torna-se o rei da festa. Em terras da Beira é indispensável ser acompanhado por
uma fatia de queijo da serra. Ao olhar para este doce, hoje tão popular na mesa
dos portugueses, vem a curiosidade de saber a sua história. Uma história que se
perde no tempo. Um sabor que nos delicia há 400 anos!
Mas vamos à história
para depois nos sentarmos à mesa. Recuemos até ao séc. XVI e olhemos a primeira
receita de pão-de-ló que se conhece. Está esplanada no livro de cozinha da
Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, que casou com um nobre italiano levando
consigo um caderno manuscrito com as receitas de família. Curiosamente esse pão-de-ló
era feito com uma massa de açúcar em ponto de pedra e amêndoa cortada e pisada.
Depois de tirada do lume e bem mexida, esta massa era deitada numa bacia e depois de fria cortava-se em
fatias. Esta receita continua presente no receituário de Domingos Rodrigues, cozinheiro
real, que, em 1680, publica o primeiro livro de cozinha português denominado Arte de cozinha. Era um doce com uma
função essencialmente medicinal pois quer o açúcar quer a amêndoa tinham, à
época, atributos terapêuticos.
Mas, por esta altura, já o pão-de-ló que hoje
conhecemos se confeccionava em algumas casas monásticas femininas. Disso nos
vai dar conta Raphael Bluteau, nos inícios do séc. XVIII, no vocabulário portuguez & latino, um
dicionário que vai marcar a língua portuguesa por todo o século XVIII. Diz-nos,
então, o dicionarista que pão-de-ló é uma massa
fofa em que entrão gemmas de ovos e assucar, adiantado, ainda, que também se faz pão de ló com amêndoas
cortadas pelo meyo & outras mal pisadas, numa alusão clara à receita
dos séculos anteriores e, ainda, em uso no seu tempo. Contudo, fazia-se já um
outro tipo de pão-de-ló, e que ele refere em primeiro lugar, com ovos, açúcar
e, provavelmente, uns pós de farinha, não referenciados. Os ingredientes mudam
mas o doce continua a fazer-se em bacias
e a ser consumido em talhadas. Talvez venha daí a mesma denominação. Nos finais
do século, em 1789, um outro dicionário, da autoria de António Morais e Silva,
já não faz referência à antiga receita e assume que este doce é uma massa de farinha, ovos e assucar, a qual
fica mais fofa depois de ir ao forno, onde se cose. A receita tornou-se
popular e assumiu-se como um doce tipicamente barroco. Fazia-se nos conventos
mas também nas casas nobres: As gentes do povo, os rústicos, estavam ainda
longe desta iguaria pois o açúcar, ao preço médio de 60 reis o arrátel, era
pouco acessível para quem não ultrapassava os 40 reis de jorna diária.
Com a vulgarização do
doce por todo o país também os nomes se vão diversificando. No Minho chama-se pão de bate, por ser muito batido, em
Lisboa pão de ló. no resto do país pão leve, por ser leve e fofo. Assim nos
diz Raphael Bluteau: pão leve chamão nas províncias de entre Douro e
Minho, Beira e Trás os Montes, aos que em Lisboa chamão pão de ló. Mas
encontramos também denominações como o de pão
de bate coberto, isto é, levava por cima uma camada de açúcar em ponto. É
um bolo ainda hoje popular na região de Guimarães.
Podia confeccionar-se em forma de broa ou em
forma de rosca. No convento de Santa Ana, em Viana do Castelo, em finais do
século XVII, as freiras, exímias doceiras, compram em vários anos, papel
e bacias de bate. Registam também o gasto, em 1678, de 880 reis para
coatro bates que se fizeram, otto arrates
de asuquar e ottenta ovos .Temos assim uma proposta de receita em
que cada bate ou broa levava 2 arráteis de açúcar (cerca de 1 quilo) e 20
ovos. As bacias eram as formas de barro onde se vertia a massa, devidamente
forradas com papel costaneira, tal como ainda hoje. A forma podia ou não levar o
buraco no meio pois esta era uma peça amovível. E assim adquiria a forma de
rosca, mais popular no Minho, ou de broa.
Temos assim um doce que no século XVI
e ainda no XVII, é documentado como uma massa de açúcar e amêndoa, e passa a
ser, ainda neste século, uma massa fofa de ovos e açúcar. Vai adquirir fama ao
longo de todo o século XVIII e tornar-se o rei da festa. Torna-se também o
ingrediente base para outros doces, num tempo em que das mãos mágicas das
freiras saiam inúmeras variedades de pequenos manjares.
Hoje está á mesa de
todos os portugueses com inúmeras receitas espalhadas por todo o país.
Vai uma fatia!!
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