Fatias e Beilhos de Requeijão
O que é requeijão?
O requeijão, uma das iguarias da
Beira, é um produto alimentar feito de restos. Depois de se fazer o queijo, aproveitam-se
os restos que caíram do azincho, o soro que sobrou do leite coalhado e algum
leite, se o houver. Depois vai tudo ao lume, deixa-se ferver e começam a surgir
uns fiapos brancos muito delicados que suavemente se vão juntando com a escumadeira
e colocados no cesto, que antes era de verga e agora de plástico. A arte e o
engenho das gentes pobres, dos rústicos da beira, das mulheres que faziam o
queijo dos rebanhos que os maridos pastoreavam, despertaram a necessidade de
retirarem daqueles restos mais um alimento. E que alimento! Sabor delicado,
textura suave, acompanhado com doce de abóbora, mel, salpicado de pimenta ou
uma pitada de canela, ou com o que a nossa imaginação quiser, é uma verdadeira
delícia. Os beirões sabem disso e os forasteiros também.
A melhor altura para se consumir
Quando vim viver para Braga
apenas se vendiam requeijões numa loja, agora designada gourmet, vindos
directamente de Mangualde. Todas as semanas lá rumava eu à Queijaria Central
para matar saudades. Poucos anos depois as grandes superfícies começaram a
vende-los e hoje encontramos requeijões, quase durante todo o ano, em qualquer
supermercado. Mas não são a mesma coisa!
O requeijão para ser bom tem que
acompanhar o ciclo do queijo, isto é, do início do Outono até à Primavera. No
Pico do Inverno, quando se faz o melhor queijo, faz-se também o melhor
requeijão. Requeijão feito só com soro e leite de ovelha tal como nos diz o documento abaixo: qualhado o leite se expreme e o souro que dele cae se guarda em algum tacho ou tigela, ao qual se lhe acresenta algum leite, por qualhar. Aquelas variantes de leite
de vaca, e outras gorduras que nem me atrevo a descrever, são apenas uma fraca amostra do que é esta iguaria.
Receitas
A história desta delícia perde-se
na história. Eis algumas receitas dos séculos passados, transcritas num documento do século XVII, que nos
apresentam o bom requeijão português e que testemunham um consumo ancestral.
O Requeixão fa-se desta maneira.
Qualhado o leite com qualho de cardo pisado com hũas pedrinhas de sal e
desfeito com agoa e lansado no leite, o qual se he tirado logo, e quente logo
se qualha, se hé frio se chega ao lume hum pouco, e logo he qualhado. Qualhado
o leite se expreme e o souro que dele cae se guarda em algum tacho ou tigela,
ao qual se lhe acresenta algum leite, por qualhar. Como a hũa canada de soro
hum quartilho de leite, e posto isto ao lume que seja brando, e que não esteja
mais que pelas bordas do tacho o tal lume, logo em fervendo se qualha e tendo na boca de hũa panela hum pano se lansa nele,
d’onde escorre, e depois atando-se levemente o pano escorre o
requeixão.
Beilhos de requeixão
O Requeixão bem amassado com pos
de farinha e tres gemas, e temperado com asucar em poo. E assim
amasado tomem pedassos desta massa do tamanho de medronhos e emfarinha-los, e
frigi-los com manteiga, e passe-nos por asucar.
Fatias de
requeixão
O Requeixão em fatias e 6 ovos batidos, deitando-lhe huns poos de farinha, os ovos com gema e
clara. Terão hũa tigela alta posta ao lume com manteiga, e como a manteiga
frigir, passem as fatias pelos ovos, e frigia-nas deitando-lhe por en sima os
ovos como aletria, digo, en sima das mesmas fatias, as quais virarão de hũa
parte e da outra, e sendo fritas passe-nas por asucar com sua canela.
Nota: Receitas constantes de: Arte de cozinha ou méthodo de fazer guisados in Ramos, Anabela; Claro, Sara - Alimentar o corpo, saciar a alma: ritmos alimentares dos monges de Tibães, séc. XVII. Porto: Afrontamento; DRCN, 2013.
BOM APETITE!
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