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Manjericos dos santos populares, uma presença milenar

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    Um destes dias folheei um tratado árabe de agricultura do século XI, da autoria de Ibn Butlân, que me surpreendeu. Ali, com quase mil anos de distância, observei plantas que ainda hoje estão à nossa mesa. Os tremoços, as ameixas, o trigo, as cabaças, o feijão-frade (porque o outro ainda não tinha cá chegado), o grão-de-bico e tantos outros alimentos. E lá está também o manjerico, a crescer num vaso, ladeado por uma dama, que delicadamente lhe põe a mão por cima para depois o cheirar, e um homem a cheirar um raminho que tem entre as mãos. E estes gestos simples, que ainda hoje repetimos, fizeram-me viajar para as festas populares deste mês de Junho, onde o manjerico e outras ervas aromáticas andam por aí a alegrar os espíritos.   A colheita das ervas aromáticas É no mês de Junho que as ervas aromáticas completam o seu crescimento, exalando o máximo do seu perfume, sendo, por isso, nesta altura que se colhem e guardam a maior parte destas plantas para consumir ao ...

De regresso às «viúvas de Braga»

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            Há uns anos atrás confrontei-me com uns cientistas que queriam reconstituir os estados do tempo antes de existirem registos oficiais. Achavam eles que os documentos guardados nos arquivos lhes davam essa informação, certa e direitinha, de modo a ser incluída numa folha excel. Ainda hoje, não deixo de sorrir quando me lembro do momento em que perceberam que os historiadores não têm essas ditas fontes para reconstituirem a realidade passada. Normalmente trabalham com restos de séries documentais que apenas dão a conhecer fragmentos dessa mesma realidade. Às vezes pouco mais é do que um espreitar atento e reflexivo, que se vai consolidando à custa de novos documentos que vão surgindo e de, claro, interpretações e teorias que o tempo pode ou não confirmar. A história, às vezes, nunca está feita. E lá se foi a tabela excel!!   Doces feitos por freiras Vem isto a propósito do livro “Viúvas de Braga e outros doces do Convento dos Remédio...

Há caracóis!

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    Fonte da imagem: https://observador.pt/2015/04/21/alerta-ja-ha-caracois-quer-saber-onde/ Desde já aviso que não gosto de caracóis. Quer dizer, não gosto de os comer, não me atrevo sequer, mas gosto de os observar em plena natureza, no meio das hortas. Gosto especialmente quando, depois de uma chuvada, emergem com os pauzinhos levantados a regalarem-se por entre os raios de sol. Em criança, nos dias grandes, gostava de os procurar nos sítios frescos, por entre as ervas, e divertia-me a vê-los entrar e sair dentro da casa. Uma vez o meu pai trouxe um saco de caracóis lá para casa e preparou com eles um cozinhado, que tinha aprendido com as gentes do Sul. Foi a primeira vez que observei tal comezaina, da qual me afastei delicadamente e com alguma repugnância. Lembro-me, porque era ainda criança, que ficaram em quarentena um ou dois dias, que foram depois muito bem lavados e que, entre outros condimentos, lhe colocou oregãos. Mais tarde, quando comecei a observar a diver...

Favas Contadas

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    Estamos no tempo das favas. Semearam-se no início do Outono, acarinharam-se ao longo do Inverno e, chega a Maio, tornam-se iguaria alimentar. Fazem parte da alimentação mediterrânica desde há milhares de anos. Os gregos deixaram receitas e o romano Apício apresenta-as no seu livro de cozinha. E por cá se mantiveram neste tão rico quadro alimentar dos países do sul a que hoje chamamos dieta mediterrânica. Secas ou verdes comem-se ao longo de todo ano, mas é na Primavera, acabadas de sair da horta, que se tornam rainhas. Não, não vão à mesa do rei. Ficam-se pelas mesas mais pobres. É que em tempos mais recuados, no final da Primavera, os recursos alimentares começavam a escassear, passados longos meses depois das colheitas. Já não havia cereal para fazer pão. Nos campos, com excepção das couves, também pouco alimento existia. A fome era uma ameaça. A cevada chegava em Maio mas o povo não gostava muito do pão feito com este cereal. Contudo, à falta de outro, lá o vai comendo...