Pão com sardinha
Chegam os santos populares e começa o tempo da sardinha. Sim, porque é no final da Primavera, até meados do Outono, que esta adquire o máximo da sua gordura, que depois utiliza para produzir os ovócitos e espermatozoides necessários à fase reprodutiva. E a sardinha fica gorda, saborosa e a pingar no pão! As gentes do povo aprenderam a saboreá-la e a guardá-la, bem salgada, em potes de barro ou em barril, para depois se comer ao longo do Inverno.
Mas de onde vem este hábito de comer sardinha?
A costa portuguesa sempre foi pródiga de sardinhas e os portugueses, sobretudo os mais pobres, habituaram-se desde os tempos antigos a alimentar-se quotidianamente com este peixe bom e barato. No século XVIII dizia-se que era o peixe “que melhor sofre do sal” e que depois de salgada durava dois anos sem se deteriorar. Mas também se dizia que era muito pingue e oleosa fazendo mal ao estômago, embora se reconhecesse que era de “excelente sabor”. Estas qualidades, de sabor e apetência para uma longa conservação, davam origem a que se tornasse um recurso importante em regiões mais distantes do mar ou para os dias em que o peixe fresco não abundava e a igreja impunha o seu consumo. Do mesmo modo, era presente nos navios que, desde o século XVI, rumavam à Índia em busca das especiarias. Mas também chegava à mesa do Rei. Observamo-la, por exemplo, à mesa de D. João III e de D. Mariana de Áustria, segunda mulher de Filipe III de Portugal, que, estando grávida, teve desejos de sardinha. Mas estas são situações excepcionais porque, ao observarmos os receituários portugueses desde o século XVI, praticamente não encontramos receitas de sardinha. Pois se ela pouco entrava nas mesas nobres também não importavam registos deste peixe. No entanto, pelas poucas receitas existentes percebemos que se comiam fritas, em molho de escabeche, recheadas e, naturalmente, assadas na brasa, eternizadas no rifão “cada um puxa a brasa à sua sardinha”. Também em algumas zonas do país se tornou acepipe para caldeiradas ou para o arroz malandro, que casa na perfeição com o tomate e a petinga. Registamos ainda, no século XVII, uma receita curiosa de “escabeche de sardinhas e mais peixe pera levar pera a India se for necessário” anotando-se no final que “desta maneira vão a India e eu as levei a Roma fresquíssimas de Lisboa”.
A riqueza da sardinha
Sardinhas que vão à Índia e vão a Roma, que andam por aí, de mão em mão, por cima do pão. Sardinhas embarriladas numa boa salga ou num bom escabeche. Sardinhas que tradicionalmente se comiam com pão e, depois do século XIX, também com batatas cozidas, bem temperadas com azeite e alho.
Sardinhas do povo, vendidas pela sardinheira e não pela peixeira. Registadas nos documentos como sardinha e não como peixe. Um peixe sim, mas um peixe diferente e, afinal, um peixe tão rico! Hoje sabemos que tem cálcio e ácidos gordos polinsaturados, sendo apenas necessárias 14 gramas de sardinha para fornecer 500 mg da dose diária recomendada na prevenção de doenças cardiovasculares.
Quem diria que a comida do pobre era assim tão nutritiva!
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