Escabeche, sabe como se faz?
Em tempos de verão e de sardinhas nada mais a propósito do que falar de um bom escabeche. Já muitos devem saber que a palavra se radica no árabe iskabaj, o que quer dizer que pode ter sido um hábito alimentar trazido pelos chamados Mouros que, desde o século VIII, se estabeleceram na Península Ibérica. Uma técnica culinária que usa o vinagre, o azeite e outros condimentos, para conservar a carne ou o peixe por vários dias sem se deteriorar. Em tempos em que não havia frigorífico esta forma de cozinhar era essencial.
No século XVIII, o dicionarista Raphael Bluteau diz-nos que se fazia com vinagre destemperado com água , hum pouco de azeite, sal, folhas de louro, sumo de limão e de lima, gengibre pisado «com as mais especies pretas», tudo bem fervido antes de se juntar à carne ou ao peixe, já devidamente cozinhados. É desta forma que observo serem feitos os escabeches existentes nos receituários dos séculos XVII a XVIII, sempre com a adição de muitas especiarias.
Todavia, durante toda a minha infância e juventude, observei a minha mãe a fazer este preparado de uma forma mais simples. Depois de fritar o peixe em azeite juntava mais azeite, alho, louro, salsa e pimenta, deixava fritar um pouco e por fim juntava o vinagre. Não o destemperava com água, talvez porque não fosse muito forte. Vertia depois este molho sobre o peixe frito, devidamente já acomodado numa taça funda, para que o molho fosse absorvido pelo peixe e o cobrisse para não se estragar.
Contudo, nem só com vinagre se fazia o escabeche. Podia juntar-se também o limão, a lima e a laranja azeda. Em 1611, Francisco Martinez Motiño, um cozinheiro ao serviço do rei Filipe III de Espanha e Portugal, apresenta-nos a receita de «besugos de escabeche a uso de Portugal» à qual junta o sumo de dez laranjas azedas. Uma tradição que já vinha da idade média quando pelo país proliferavam as laranjeiras azedas.
E para quem quiser experimentar as duas receitas elas aqui ficam:
Besugos de escabeche à moda de Portugal
Preparação: escamar os besugos, parti-los em pedaços, ou deixá-los ficar inteiros. Temperar de sal e reservar.
Molho: Preparar sumo de uma dezena de laranjas azedas, um quartilho de vinagre, cravo da Índia, gengibre, um pouco de açafrão, sal e pimenta. Misturar bem todos os ingredientes e colocar este escabeche numa caçoila de barro.
Fritam-se os besugos em azeite. Depois de fritos secam-se e mergulham-se no escabeche e voltam a retirar-se acomodando-se num prato. Servem-se quentes.
Também se podem servir mergulhados no molho de escabeche ou podem guardar-se durante um mês no mesmo molho. (receita traduzida, adaptada e publicada na obra de Anabela Ramos, Laranjas de Portugal, p. 115.)
Escabeche de sardinhas e mais peixe
«Tomarão as sardinhas frescas sem sal, e qualquer outro peixe, e depois de escamadas botar-lhe-hão hũas pedras de pouco sal, conforme a cantidade das sardinhas. Dahi a couza de meia hora, as enxugarão com hum pano e, passadas pela farinha, se frigirão, de sorte que não fiquem torradas nem queimadas. E depois de muito bem fritas e escorridas do azeite po-las-hão no vaso d’onde ouverem d’estar. E tomarão vinagre e o deitarão em hũa tigela ou panela ou tacho grande, com adubos, a saber, pimenta, cravo, gengibre, canela, noz noscada, tudo isto conforme a cantidade das sardinhas, e tudo muito bem pisado, e mais sinco ou 6 folhas de louro, hum punhado de asucar. E ferva tudo por espaso de hũa fervura de pescada. E po-lo-hão a esfriar, e depois de frio lançem esta calda sobre as sardinhas de sorte que fiquem bem cubertas da calda, porque embebem.
Advirtão que ao tirar, de nenhũa maneira lhe metão a mão dentro da calda, e que as não comão senão depois de dous dias de calda». (receita do século XVII, transcrita na obra de Anabela Ramos e Sara Claro, alimentar o corpo saciar a alma, p. 234.)
Bom apetite e bons cozinhados, em tempos de calor e dias longos em que apetece uma fatia de pão ensopada num bom escabeche, tendo por companhia um copo de vinho fresco!
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