Chega o Outono e com ele chega também o fruto rei da
época: a castanha. Fazem-se os tradicionais magustos, comem-se castanhas
cozidas e assadas, durante uns tempos, e,
pelos fins de Novembro, torna se um fruto praticamente esquecido. Os vendedores
de castanhas assadas são os únicos que ainda tentam resistir ao longo do Inverno. Nos últimos anos surgiram as castanhas congeladas que se consomem
esporadicamente ao longo do ano. As regiões produtoras tentam também, através
dos seus restaurantes, aliciar os turistas com novos pratos onde a castanha é a
rainha, mas a moda ainda não pegou. A
castanha tornou-se, assim, num fruto sazonal sem grande importância alimentar.
A longa história do consumo de castanha
Todavia, nem sempre foi assim. Ao longo da história, a
castanha foi importantíssima na alimentação dos portugueses e os castanheiros
abundavam por todo o país. A imagem apresentada acima, retirada de um tratado árabe do século XI, demonstra bem o consumo popular e a preferência pela castanha assada. No entanto, não fazia parte da ementa quotidiana das
elites por ser considerada indigesta e flatulenta. Assim o afirma, em 1731,
Francisco da Fonseca Henriques, médico real, natural de Mirandela,
considerando, contudo, que nutria “copiosíssimamente”. Realidade que hoje os
nutricionistas confirmam e aplaudem. Era pois um alimento para o consumo dos
mais pobres e eram também eles,
especialmente os da região beirã, segundo um dicionarista dos inícios do séc.
XVIII, que faziam os magustos, ou seja, grandes fogueiras onde, depois de
“apagadas as labaredas, se lançam quantidades de castanhas nas brasas sem
abri-las e depois de as tirar as comem” (Bluteau, vol V. 1716).
Por esta razão
não encontramos qualquer receita sobre este fruto nos livros de cozinha
publicados ao longo dos séculos XVII a XIX, pois eram livros que traduziam a
alimentação dos mais ricos e, em especial, da família real. Apenas num
receituário anónimo do século XVII (Arte de cozinha ou méthodo de fazer guisados), se anotam as
várias formas de assar castanhas: no borralho, no forno e com vários tipos de
lenha. Anota-se, ainda, uma receita de caldo de castanhas que levava cebola,
salsa, azeite, erva-doce, açafrão e, naturalmente, castanha seca ou pilada,
muito abundante nos séculos passados, antes da divulgação da batata.
A castanha seca ou pilada
Para se secarem as castanhas, estas eram colocadas na pilheira (pedra por
cima da lareira) e aí iam secando ao longo do Inverno. Quando já estavam muito
duras guardavam-se em sacos (castanha pilada) e consumiam-se em caldo ou em falachas, uma espécie
de pão feito com castanha moída e sem fermento.
Este caldo era um alimento quotidiano e as
falachas substituíam a falta de cereal, que começava a escassear e a aumentar de
preço nos inícios do ano. A castanha tornava-se, deste modo, numa espécie de
cereal, aporte alimentar importante ao longo do Outono e do Inverno.
E de tal forma
era importante na alimentação que
se dotavam castanheiros às noivas que iam casar, um sustento importante para
começar a nova vida. Mas os tempos mudaram e os castanheiros foram
desaparecendo da paisagem e do consumo de "castanha pilada" já poucos tem memória. A batata,
ao longo do século XIX, foi ganhando terreno no prato dos portugueses, o que em
termos nutricionais representou um retrocesso porque a castanha é mais
nutritiva.
Hoje, é alimento gourmet para se adicionar aos rojões
ou à carne assada. Tempos houve em que era o pão dos pobres!
A receita
E para terminar junto as únicas receitas que se conhecem de tempos mais antigos
Se são verdes cozem-se com sal.
Assam-se com lenha delgada, como silvas, sargasos,
carqueja & mexedas [sic], e
revolvendo-as que se não queimem, e depois de assadas, no mesmo rescaldo, abafadas
com sargassos ou fetaons verdes ou com terra por hum espasso.
Assam-se tambem no forno amosegando-as 1º. Tambem
se fazem de boralho, e são milhores.
O caldo de castanhas fa-se pomdo-se elas a cozer sem serem
escaldadas, se for possível, com seu azeite, sal, salsa, cebola, picado tudo, e
sua erva doce e ultimamente seu asafrão.
Fazem-se tambem sem caldo com agoa quanto as cubra, com
sal e erva doce, chaman-se engroladas.
Claro, Sara - Arte do cozinha ou methodo de fazer guizados. In Ramos, Anabela; Claro, Sara - Alimentar o corpo, saciar a alma: ritmos alimentares dos monges de Tibães, séc. XVIII. Porto: DRCN; Afrontamento, 2013.
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