As gentes de Mangualde na transição para o século XVIII
Estamos no virar do séc.
XVII para o XVIII e viajamos pelo concelho de Mangualde, na altura dividido
entre os extintos concelhos de Tavares e Azurara da Beira, em plena região da
Beira Alta. Terra de gente pobre que vive da agricultura e da pastorícia, que
come pão de centeio, queijo de ovelha e bebe o vinho quente e doce das encostas
do Dão, fazendo jus ao ditado popular pão
com olhos, queijo sem olhos e vinho que salte aos olhos, num tempo, em que
famosos eram os queijos do Alentejo e o vinho de Lamego. Nas terras mais fundas,
que aqui se chamam lameiros, começa lentamente a produzir o milho grosso e a
fazer com ele a famosa broa. Em tempos de escassez
recorre ainda ao pão de cevada de que só
a pobreza uza porque nem he pão de bom gosto nem de boa nutrição.
Pelo decorrer do ano vai comendo castanhas secas, feijões, com certeza frutos e
legumes e, algumas vezes, couves com toucinho. Falo naturalmente dos
mais pobres e remediados, dos rústicos que constituíam com toda a certeza a
maioria da população. Mas por aqui existem também os grandes senhores que
começam, nesta transição do século, a constituir os seus morgadios e a
construir as novas casas senhoriais bem ao gosto do barroco, com destaque para
a pedra de armas, para o frontão a embelezar a fachada e para a capela privada,
túmulo da família e local de culto privilegiado.
Uns e outros viajam pouco, embora os mais
pobres quase nunca ultrapassem o limite da sua aldeia. Apenas a feira, o
mercado, o seguimento da justiça, uma ou outra romaria (Senhora do Castelo e
Nossa Senhora dos Verdes) ou a procura do tabelião
podiam ser motivos para uma viagem um pouco mais longa. Percurso este que não
ia muito além da sede do concelho ou da vila mais próxima. Preparar o casamento dos
filhos através de uma escritura de dote de casamento é razão mais do que
suficiente para por pés a caminho, mas às vezes nem é preciso, porque vem o
tabelião ao encontro da notícia e celebra a escritura no local onde der mais
jeito. Na casa dos dotadores, na casa dos mais importantes da terra ou
simplesmente na rua, à porta da casa dos interessados.
O
dote de casamento faz parte da realidade social e jurídica portuguesa desde
longa data assumindo-se como um pacto fundador da família extremamente
importante, porque nele se garantiam bens materiais, se estipulavam estratégias
familiares e, em última análise, era em volta dele que se elaborava todo o
direito das relações patrimoniais entre os cônjuges.
A ele recorrem sobretudo os que têm
alguns bens, que podem dispor para garantir um melhor futuro dos seus filhos,
pois entende-se, na época, que o casamento é um estado para o qual se deve
entrar com algum pecúlio.
Movimentamo-nos, pois, entre os
pequenos proprietários e rendeiros mas também entre os grandes Senhores que
dispõem com alguma facilidade de avultadas somas em dinheiro e património. A
todos um denominador comum: garantir um casamento apropriado e consolidar um
determinado património material e simbólico.
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