Vai um copo de... vinho verde?


Caneca e malga de vinho verde. 
São João de Braga, 2024

Estamos a terminar o tempos das vindimas! Tenho ainda na memória o cheiro a mosto e a vinho novo, que manava dos lagares quando percorria as ruas da minha aldeia. lembro-me também do apanhar dos bagos, tarefa que sobrava sempre para as crianças e que vinha acompanhada daquela velha história - uma vez um homem fez uma pipa e vinho só com bagos... - e nós, os mais pequenos, lá tinhamos que curvar as costas.

A azáfama dos tempos passados, hoje, é mais suave. No Minho as vinhas são mais baixas e já escasseiam as latadas, uveiras e árvores de vinho que povoaram todo o Entre Douro e Minho até aos inícios do século XXI; os tractores substituíram os carros de bois e os cestos são agora de plástico e muito mais leves. Também já são poucos os que fazem o vinho no seu próprio lagar, preferindo a entrega das uvas na cooperativa. E será que ainda se apanham os bagos que caem ao chão?

Mas, tal como no passado, o vinho continua a estar na mesa (dos homens e de Deus) servindo de regalo e prazer nos bons e maus momentos da vida!

 

O vinho que se produz no Minho

E porque estamos no Minho, falemos, obviamente, de vinho verde. Esse vinho ácido, que fazia esticar a boca até às orelhas e que, nos tempos antigos, era rejeitado à mesa das elites. É claro que os amantes desta região vinícola negam tudo isto. Defendem até que foi o vinho com que D. Afonso Henriques comemorou a vitória na batalha de S. Mamede, em 1128. Apelidam-no de vinho leve, fresco, frutado e fácil de beber. Mas não é. Ou melhor, não foi ao longo de séculos. Dizia-nos Duarte Nunes de Leão, nos finais do século XVI, que apenas era alimento de gente plebeia, preferindo os nobres os vinhos de Lamego e de Monção. No século XVIII, o médico Francisco da Fonseca Henriques deixava claro que era austero, acerbo, frio, pouco nutritivo e nada saudável. Em oposição considerava o vinho maduro de sabor doce, quente, odorífico e, naturalmente, recomendado para quando se estava doente. Sim, porque o vinho é, desde os tempos bíblicos, um alimento medicamento. Já o encontramos referido enquanto tal, por exemplo, nas cartas de São Paulo a Timóteo.

Por esta razão os monges beneditinos, com vários mosteiros a Norte do país, estavam proibidos de beber vinho verde, apesar de o produzirem em grande quantidade nas suas quintas e de, ao longo de séculos, tentarem melhorar a qualidade do mesmo, seleccionando castas e escolhendo os melhores terrenos. Mas a imposição era clara: o vinho servido no refeitório monástico devia ser maduro e sem mistura de vinho verde.

O mesmo se passava nas casas nobres minhotas, onde, de igual modo, se procurava aprimorar um bom vinho verde para a mesa dos senhores. É que o vinho maduro, de “acima do Douro”, demorava a chegar e com um preço nem sempre acessível.

Os criados, esses, bebiam um vinho de mais fraca qualidade, de um tinto forte e ácido que se foi divulgando e popularizando entre o povo.

                                 

 Árvore de vinho. 
Estação de São Bento. Porto

 

Primeira Região vinícola

Este selo de desclassificação enóloga do vinho verde, especialmente do tinto, deixou marcas profundas e, ainda hoje, muitos enólogos não o consideram como tal. Mas as gentes do Minho têm sabido defender e melhorar o seu néctar. Foram pioneiros a demarcar a região vinícola (1908) e continuam na senda, de monges e senhores nobres, a procurar o melhor vinho verde para servir à mesa. E aí está ele. Um vinho único no mundo, com personalidade própria, que, por este facto e pela qualidade que tem alcançado, se tornou o segundo vinho português mais exportado, depois do vinho do Porto.

 

E venha a malga de “binho berde” para a vindima! O pessoal já reclama a sua presença!

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