Papas de sarrabulho… com cominhos e limão!

 

Ramo de limoeiro a anunciar que há papas de sarrabulho!
Restaurante O Alexandre, Campo das Hortas, Braga  
 

A experiência de comer  este prato

Comer um bom prato de papas de serrabulho, acompanhadas com rojões, tripas e farinhotes, é uma verdadeira e única experiência gastronómica, nada comparável a outras comidas, também com algumas características peculiares. É entrar numa outra realidade, penetrar no Minho profundo, nas entranhas da terra e sentir a capacidade que os minhotos desenvolveram ao longo de séculos, transformando alimentos secundários, meros desperdícios, numa iguaria estranha, complexa, rústica e, atrevo-me a dizer, deliciosa. 

 É comida antiga encontrando-se referida nas fontes documentais dos bracarenses pelos menos desde o século XVI. Mas virá, com toda a certeza, de muito mais atrás.

Chama-se sarrabulho, mas também pode chamar-se verde, bazulaque, sarapatel, mondongo… receitas onde o sangue e as vísceras se fundem dando origem a sabores complexos que primeiro se estranha e depois se entranha.

Assim também aconteceu comigo. Só me habituei a comer este prato depois de várias experiências nem sempre bem-sucedidas. Mas lá fui entrando neste emaranhado de sabores, onde sobressaiam os cominhos, o único que reconhecia e que me levava para as morcelas de sangue da Beira, memória alimentar das mais saborosas que guardo da infância. Havia ainda os farinhotes, que, embora mais secos, também me lembravam as morcelas. Talvez tenha sido por aqui que o sarrabulho minhoto me foi conquistando.  Todavia, a rusticidade da tripa frita, ou tripa enfarinhada, ou farinheira como lhe chamam para os lados de Guimarães, causava-me alguma repulsa.

E aqui impõe-se uma explicação para aqueles que nunca viveram esta experiência. Esta tripa não é mais do que uma simples tripa, recheada com um pouco de farinha, e depois frita em banha de porco. A simplicidade deste preparado, com a tripa a mostrar toda a sua natureza intestinal, não foi fácil, pouco habituada a estes repastos. Para mim, as tripas comiam-se disfarçadas nas morcelas e nos chouriços.  Nada de experiências a solo. Hoje já me atrevo a provar e, queiram ou não acreditar, até já gosto!!

 

Limão, Bartolomeo Bimbi (1648-1729)

Os ingredientes

Nunca aprendi a cozinhar este prato embora ouça os especialistas falarem da grande simplicidade da receita. O que não admira porque os ingredientes são simples e encontram-se facilmente na imediações da cozinha. Apenas os cominhos, e outras especiarias, exigem uma deslocação mais longa, à taberna da aldeia ou à mercearia do bairro.

Nas conversas que vou ouvindo fala-se de carnes cozidas, sangue líquido ou cozido, pão, arroz ou farinha de milho, conforme estivermos na cidade dos arcebispos, em Ponte de Lima, Barcelos, região do vale do Sousa ou do Vizela. Cada região com o seu sabor, mas todos deliciosos. Também lhe juntam uma «maminha», ou «boneca», com as especiarias mais comuns, que não sei quais são. Sempre pensei que fosse aqui que estivesse o segredo deste prato porque nunca ninguém me disse o que põe nesta dita «maminha».

  Cominhos e Limão

 Todavia, recentemente ouvi uns especialistas falar de um ingrediente que me surpreendeu - o limão. Diziam-me eles que no final há que afinar a quantidade de cominhos e a quantidade de sumo de limão. O primeiro reforça-lhes os aromas, o segundo equilibra a quantidade de gordura e dá-lhe um toque de frescura. Depois, vão à mesa polvilhados de cominhos e com uma rodela de limão. E disseram-me, ainda, algo ainda mais surpreendente. Fiquei a saber que os restaurantes de Braga quando, ao Domingo, têm papas de sarrabulho demonstram-no publicamente colocando à porta um ramo de limoeiro ou os limões espremidos espetados num pau. Entre aqueles que optam pelo ramos de limoeiro destaco o restaurante Alexandre, no campo das Hortas, que prima por servir, também, umas excelentes papas de sarrabulho, bem condimentadas e onde realça a frescura do limão.

Mas que bela homenagem ao limoeiro, aos citrinos que povoam o Minho desde que os árabes os trouxeram e por aqui ficaram nos quintais, desafiando os cozinheiros e fundindo-se nestes sabores ancestrais e únicos, verdadeiras iguarias que continuamos a apreciar tal como os nossos antepassados mais antigos.

Para concluir, trago Luís de Camões para a mesa. Dizia ele que o limão, pela sua frescura e sabor agradável, sujeita uma pessoa ao desejo de gostar de um manjar quando está difícil o gosto. Talvez seja por isso que os bracarenses colocam um ramo de limoeiro `para anunciar este prato. Talvez esteja aqui o segredo mais bem guardado das papas de sarrabulho. Ah! E os cominhos?

 

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