Favas Contadas


   Estamos no tempo das favas. Semearam-se no início do Outono, acarinharam-se ao longo do Inverno e, chega a Maio, tornam-se iguaria alimentar. Fazem parte da alimentação mediterrânica desde há milhares de anos. Os gregos deixaram receitas e o romano Apício apresenta-as no seu livro de cozinha. E por cá se mantiveram neste tão rico quadro alimentar dos países do sul a que hoje chamamos dieta mediterrânica. Secas ou verdes comem-se ao longo de todo ano, mas é na Primavera, acabadas de sair da horta, que se tornam rainhas. Não, não vão à mesa do rei. Ficam-se pelas mesas mais pobres. É que em tempos mais recuados, no final da Primavera, os recursos alimentares começavam a escassear, passados longos meses depois das colheitas. Já não havia cereal para fazer pão. Nos campos, com excepção das couves, também pouco alimento existia. A fome era uma ameaça. A cevada chegava em Maio mas o povo não gostava muito do pão feito com este cereal. Contudo, à falta de outro, lá o vai comendo fazendo jus ao provérbio: chamas-me rabuda mas em maio dou-te uma ajuda.

        Favas à portuguesa 

   As favas chegam no tempo certo para alimentar os corpos famintos. E vão bem com o alho, que também floresce na horta por esta altura, com os coentros, com os chouriço e a carne de porco, que se guardam no pote e na salgadeira desde a matança. E esta combinação encontramos-la já em Gil Vicente e continua pelos séculos seguintes. Mas nos mosteiros comem-se favas estufadas com alfaces, ervas aromáticas, pimenta, azeite, cebola e guarnecidas, no final, com ovos escalfados, tornando-se comida para dias de peixe. E assim nascem as favas à portuguesa. Modo de cozinhar que ainda subsiste em algumas regiões do país.

    Nos finais do século XVIII um cozinheiro francês que vem para a corte de D. Maria I, Lucas Rigaud, apresenta duas receitas de favas que denomina por favas à provençal e favas de fricassé. Mas estes francesismos não fazem história no nosso Portugal e o povo continua agarrado à sua favada com carne de porco ou com ovos escalfados. Mas continua também a popularizar a fava rica, ou seja, as favas cozidas e temperadas com azeite e alho, ou a sopa de favas, que se vendiam pelas ruas de Lisboa.

    Favas Contadas

   Falando de favas esclareçamos ainda uma curiosidade: as favas contadas. Esta expressão está ligada à vida monástica e às suas grandes reuniões capitulares, onde se decidia a vida em comunidade. Mas também nas irmandades e misericórdias. Nestas reuniões, as decisões eram feitas por voto secreto sendo as variedades de favas brancas e pretas a melhor forma de o fazer.  Quem concordava votava com uma cor quem nem não concordava votava com outra. E porque, muitas vezes, havia decisões importantes a tomar elas eram previamente negociadas. Quando se ía para a eleição já se sabia quem iria votar contra ou a favor. Eram favas contadas! (… ) e votando-se por favas brancas e pretas, saiu vencido que assim se observasse (…). O que aliás também acontece no nosso parlamento na actualidade e em outras situações da vida política e social.

    E assim as favas contadas foram passando para o linguajar popular!

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